quarta-feira, 24 de setembro de 2014
Discurso da Presidenta da República, Dilma Rousseff, na abertura da 69ª Assembleia Geral da ONU.
Discurso da Presidenta da República, Dilma Rousseff, na abertura do Debate de Alto Nível da 69ª Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU).
"Embaixador Sam Kutesa, Presidente da 69ª Assembleia Geral das Nações Unidas,
Senhor Ban Ki-moon, Secretário-Geral das Nações Unidas,
Excelentíssimos Senhores e Senhoras Chefes de Estado e de Governo,
Senhoras e Senhores,
Para o Brasil – que tem a honra e o privilégio de abrir este debate – é grande a satisfação de ver na Presidência desta Sessão da Assembleia Geral um filho da África. Os brasileiros somos ligados por laços históricos, culturais e de amizade ao continente africano, cuja contribuição foi e é decisiva para a constituição da identidade nacional de meu país.
Senhor Presidente,
Abro este Debate Geral às vésperas de eleições que vão escolher, no Brasil, o Presidente da República, os Governos estaduais e grande parte de nosso poder legislativo. Essas eleições são a celebração de uma democracia que conquistamos há quase trinta anos, depois de duas décadas de governos ditatoriais. Com ela, muito avançamos também na estabilização econômica do país.
Nos últimos doze anos em particular, acrescentamos a essas conquistas a construção de uma sociedade inclusiva baseada na igualdade de oportunidades.
A Grande Transformação em que estamos empenhados produziu uma economia moderna e uma sociedade mais igualitária. Exigiu, ao mesmo tempo, forte participação popular, respeito aos Direitos Humanos e visão sustentável de nosso desenvolvimento.
Exigiu, finalmente, uma ação na cena global marcada pelo multilateralismo, pelo respeito ao Direito Internacional, pela busca da paz e pela prática da solidariedade.
Senhor Presidente,
Há poucos dias, a FAO informou que o Brasil saiu do mapa da fome.
Essa mudança foi resultado de uma política econômica que criou 21 milhões empregos, valorizou o salário básico, aumentando em 71% seu poder de compra. Com isso, reduziu a desigualdade.
Trinta e seis milhões de brasileiros deixaram a miséria desde 2003; 22 milhões somente em meu governo. Para esse resultado, contribuíram também políticas sociais e de transferência de renda reunidas no "Plano Brasil Sem Miséria".
Na área da saúde, logramos atingir a meta de redução da mortalidade infantil,antes do prazo estabelecido pelas Metas do Milênio.
Universalizamos o acesso ao ensino fundamental. Perseguimos o mesmo objetivo no ensino médio. Estamos empenhados em aumentar sua qualidade, melhorando os currículos e valorizando o professor.
O ensino técnico avançou com a criação de centenas de novas escolas e a formação e qualificação tecno-profissional de 8 milhões de jovens, nos últimos 4 anos.
Houve expansão sem precedentes da educação superior: novas Universidades Públicas e mais de 3 milhões de alunos contemplados com bolsas e financiamentos que garantem acesso a universidades privadas.
Ações afirmativas permitiram o ingresso massivo de estudantes pobres, negros e indígenas na Universidade.
Finalmente, os desafios de construção de uma sociedade do conhecimento ensejaram a criação do "Programa Ciência sem Fronteiras", pelo qual mais de 100 mil estudantes de graduação e pós-graduação são enviados às melhores universidades do mundo.
Por iniciativa presidencial, o Congresso Nacional aprovou lei que destina 75% dos royalties e 50% do fundo de recursos do PRÉ SAL para a educação e 25% para a saúde.
Vamos transformar recursos finitos – como o petróleo e o gás - em algo perene: educação, conhecimento científico e tecnológico e inovação. Esse será nosso passaporte para o futuro.
Senhor Presidente,
Não descuramos da solidez fiscal e da estabilidade monetária e protegemos o Brasil frente à volatilidade externa.
Assim, soubemos dar respostas à grande crise econômica mundial, deflagrada em 2008. Crise do sistema financeiro internacional, iniciada após a quebra do "Lehman Brotehers" e, em seguida, transformada em muitos países em crise de dívidas soberanas.
Resistimos às suas piores consequências: o desemprego, a redução de salários, a perda de direitos sociais e a paralisia do investimento.
Continuamos a distribuir renda, estimulando o crescimento e o emprego, mantendo investimentos em infraestrutura.
O Brasil saltou da 13ª para 7ª maior economia do mundo e a renda per capita mais que triplicou. A desigualdade caiu.
Se em 2002, mais da metade dos brasileiros era pobre ou muito pobre, hoje 3 em cada 4 brasileiros integram a classe média e os extratos superiores.
No período da crise, enquanto o mundo desempregava centena de milhões de trabalhadores, o Brasil gerou 12 milhões de empregos formais.
Além disso, nos consolidamos como um dos principais destinos de investimentos externos.
Retomamos o investimento em infraestrutura numa forte parceria com o setor privado.
Todos esses ganhos estão ocorrem em ambiente de solidez fiscal. Reduzimos a dívida pública líquida de aproximadamente 60% para 35% do PIB.
A dívida externa bruta em relação ao PIB caiu 42% para 14%.
As reservas internacionais foram multiplicadas por 10 e assim, nos tornamos credores internacionais.
A taxa de inflação anual também tem se situado nos limites da banda de variação mínima e máxima fixada pelo sistema de metas em vigor no País.
Senhor Presidente,
Ainda que tenhamos conseguido resistir às consequências mais danosas da crise global, ela tb nos atingiu, de forma mais aguda, nos últimos ano.
Tal fato decorre da persistência, em todas as regiões do mundo, de consideráveis dificuldades econômicas, que impactam negativamente nosso crescimento.
Reitero o que disse, no ano passado na abertura do Debate Geral.
É indispensável e urgente retomar o dinamismo da economia global. Ela deve funcionar como instrumento de indução do investimento, do comércio internacional e da diminuição das desigualdades entre países.
No que se refere ao comércio internacional, impõe-se um compromisso de todos com um programa de trabalho para a conclusão da Rodada de Doha.
É imperioso também, Senhor Presidente, pôr fim ao descompasso entre a crescente importância dos países em desenvolvimento na economia mundial e sua insuficiente participação nos processos decisórios das instituições financeiras internacionais, como o FMI e o Banco Mundial. É inaceitável a demora na ampliação do poder de voto dos países em desenvolvimento nessas instituições.
O risco que essas instituições correm é perder sua legitimidade e eficiência.
Senhor Presidente,
Com grande satisfação, o Brasil abrigou a VI Cúpula dos BRICS. Recebemos os líderes da China, da Índia, da Rússia e da África do Sul num encontro fraterno, proveitoso que aponta para importantes perspectivas para o futuro.
Assinamos os acordos de constituição do "Novo Banco de Desenvolvimento" e do "Arranjo Contingente de Reservas".
O Banco atenderá às necessidades de financiamento de infraestrutura dos BRICS e dos países em desenvolvimento.
O Arranjo Contingente de Reservas protegerá os países de volatilidades financeiras.
Cada instrumento terá um aporte de US$ 100 bilhões.
Senhor Presidente,
A atual geração de líderes mundiais – a nossa geração – tem sido chamada a enfrentar também importantes desafios vinculados aos temas da paz, da segurança coletiva e do meio ambiente.
Não temos sido capazes de resolver velhos contenciosos, nem de impedir novas ameaças.
O uso da força é incapaz de eliminar as causas profundas dos conflitos. Isso está claro na persistência da Questão Palestina; no massacre sistemático do povo sírio; na trágica desestruturação nacional do Iraque; na grave insegurança na Líbia; nos conflitos no Sahel e nos embates na Ucrânia.
A cada intervenção militar, não caminhamos para a Paz mas, sim, assistimos ao acirramento desses conflitos.
Verifica-se uma trágica multiplicação do número de vítimas civis e de dramas humanitários. Não podemos aceitar que essas manifestações de barbárie recrudesçam, ferindo nossos valores éticos, morais e civilizatórios.
Tampouco podemos ficar indiferentes ao alastramento do vírus Ebóla no oeste da África. Nesse sentido, apoiamos a proposta do Secretário-Geral de estabelecer a "Missão das Nações Unidas de Resposta Emergencial ao Ebóla".
Senhor Presidente,
O Conselho de Segurança tem encontrado dificuldade em promover a solução pacífica desses conflitos. Para vencer esses impasses, será necessária uma verdadeira reforma do Conselho de Segurança, processo que se arrasta há muito tempo.
Os 70 anos das Nações Unidas, em 2015, devem ser a ocasião propícia para o avanço que a situação requer. Estou certa de que todos entendemos os graves riscos da paralisia e da inação do CS da ONU.
Um Conselho mais representativo e mais legítimo poderá ser também mais eficaz.
Gostaria de reiterar que não podemos permanecer indiferentes à crise israelo-palestina, sobretudo depois dos dramáticos acontecimentos na Faixa de Gaza. Condenamos o uso desproporcional da força, vitimando fortemente a população civil, especialmente mulheres e crianças.
Esse conflito deve ser solucionado e não precariamente administrado, como vem sendo. Negociações efetivas entre as partes têm de conduzir à solução de dois Estados – Palestina e Israel – vivendo lado a lado e em segurança, dentro de fronteiras internacionalmente reconhecidas.
Em meio a tantas situações de conflito, a América Latina e o Caribe buscam enfrentar o principal problema que nos marcou, por séculos – a desigualdade social.
Fortalecem-se as raízes democráticas e firma-se a busca de um crescimento econômico mais justo, inclusivo e sustentável. Avançam os esforços de integração, por meio do Mercosul, da UNASUL e da CELAC.
Senhor Presidente,
A mudança do clima é um dos grandes desafios da atualidade. Necessitamos, para vencê-la, sentido de urgência, coragem política e o entendimento de que cada um deverá contribuir segundo os princípios da equidade e das responsabilidades comuns, porém diferenciadas.
A Cúpula do Clima, convocada em boa hora pelo Secretário-Geral, fortalece as negociações no âmbito da Convenção-Quadro.
O Governo brasileiro se empenhará para que o resultado das negociações leve a um novo acordo equilibrado, justo e eficaz.
O Brasil tem feito a sua parte para enfrentar a mudança do clima.
Comprometemo-nos, na Conferência de Copenhague, com uma redução voluntária das nossas emissões em 36% a 39%, na projeção até 2020.
Entre 2010 e 2013, deixamos de lançar na atmosfera, a cada ano, em média, 650 milhões de toneladas de dióxido de carbono.
Alcançamos, em todos esses anos, as 4 menores taxas de desmatamento da nossa história.
Nos últimos 10 anos, reduzimos o desmatamento em 79%, sem renunciar ao desenvolvimento econômico nem à inclusão social.
Mostramos que é possível crescer, incluir, conservar e proteger. Uma conquista como essa resulta do empenho - firme e contínuo – do Governo, da sociedade e de agentes públicos e privados.
Esperamos que os países desenvolvidos - que têm a obrigação não só legal, mas também política de liderar,pelo exemplo, demonstrem de modo inequívoco e concreto seu compromisso de combater esse mal que aflige a todos.
Na Rio+20, tivemos a grande satisfação de definir uma nova agenda, baseada em Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), aplicáveis tanto a países desenvolvidos, quanto aos em desenvolvimento.
Será crucial definirmos meios de implementação que correspondam à magnitude das dificuldades que nos comprometemos a superar. Precisamos ser ambiciosos em matéria de financiamento, cooperação, construção de capacidades nacionais e transferência de tecnologias, sobretudo em favor dos países menos desenvolvidos.
Destaco, nesse contexto, a necessidade de estabelecer um mecanismo para o desenvolvimento, a transferência e a disseminação de tecnologias limpas e ambientalmente sustentáveis.
Senhor Presidente,
Ao lado do desenvolvimento sustentável e da paz, a ordem internacional que buscamos construir funda-se em valores.
Entre eles, destacam-se o combate a todo o tipo de discriminação e exclusão.
Temos um compromisso claro com a valorização da mulher no mundo do trabalho, nas profissões liberais, no empreendedorismo, na atividade política, no acesso à educação entre outros. O meu governo combate incansavelmente a violência contra a mulher em todas as suas formas. Consideramos o século 21, o século das mulheres.
Da mesma maneira, a promoção da igualdade racial é o resgate no Brasil dos séculos de escravidão a que foram submetidos os afro-brasileiros, hoje mais da metade de nossa população.
Devemos a eles um inestimável legado permanente de riquezas e valores culturais, religiosos e humanos. Para nós, a miscigenação é um fator de orgulho.
O racismo, mais que um crime inafiançável é uma mancha que não hesitamos em combater, punir e erradicar.
O mesmo empenho que temos em combater a violência contra as mulheres e os afrobrasileiros temos também contra a homofobia. A suprema corte do meu Páis reconheceu a união estável entre pessoas do mesmo sexo, assegurando-lhes todos os direitos civis daí decorrentes.
Acreditamos firmemente na dignidade de todo ser humano e na universalidade de seus direitos fundamentais. Esses devem ser protegidos de toda seletividade e de toda politização.
Outro valor fundamental é o respeito à coisa pública e o combate sem tréguas à corrupção .
A história mostra que só existe uma maneira correta e eficiente de combater a corrupção: o fim da impunidade com o fortalecimento das instituições que fiscalizam, investigam e punem atos de corrupção, lavagem de dinheiro e outros crimes financeiros.
Essa é uma responsabilidade de cada governo. Responsabilidade que nós assumimos, ao fortalecer nossas instituições.
Construímos o "Portal Governamental da Transparência" que assegura, ao cidadão, acessar os gastos governamentais, em 24 horas.
Aprovamos a lei de acesso à informação que permite ao cidadão brasileiro o acesso a qualquer informação do governo, exceto aquelas relativas à soberania do País.
Fortalecemos e demos autonomia aos órgãos que investigam e também ao que faz o controle interno do governo.
Criamos leis que punem tanto o corrupto, como o corruptor.
O fortalecimento de tais instituições é essencial para o aprimoramento de uma governança aberta e democrática.
A recente reeleição do Brasil para o Comitê Executivo da "Parceria para o Governo Aberto" vai nos permitir contribuir para governos mais transparentes no plano mundial.
Senhor Presidente,
É indispensável tomar medidas que protejam eficazmente os direitos humanos, tanto no mundo real como no mundo virtual, como preconiza resolução desta Assembleia sobre a privacidade na era digital.
O Brasil e a Alemanha provocaram essa importante discussão em 2013 e queremos aprofundá-la nesta Sessão. Servirá de base para a avaliação do tema o relatório elaborado pela Alta Comissária de Direitos Humanos.
Em setembro de 2013, propus aqui a criação de um marco civil para a governança e o uso da Internet com base nos princípios da liberdade de expressão, da privacidade, da neutralidade da rede e da diversidade cultural.
Noto, com satisfação, que a comunidade internacional tem se mobilizado, desde então, para aprimorar a atual arquitetura de governança da Internet.
Passo importante nesse processo foi a realização, por iniciativa do Brasil, da "Reunião Multissetorial Global sobre o Futuro da Governança da Internet" - a NETmundial - em São Paulo, em abril deste ano.
O evento reuniu representantes de várias regiões do mundo e de diversos setores. Foram discutidos os princípios a seguir e as ações a empreender para garantir que a Internet continue a evoluir de forma aberta, democrática, livre, multissetorial e multilateral.
Senhor Presidente,
Os Estados-membros e as Nações Unidas têm, hoje, diante de si desafios de grande magnitude.
Esses devem ser as prioridades desta Sessão da Assembleia Geral.
O ano de 2015 desponta como verdadeiro ponto de inflexão.
Estou certa de que não nos furtaremos a cumprir, com coragem e lucidez, nossas altas responsabilidades na construção de uma ordem internacional alicerçada na promoção da Paz, no desenvolvimento sustentável, na redução da pobreza e da desigualdade.
O Brasil está pronto e plenamente determinado a dar sua contribuição.
Muito obrigada."
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