sábado, 29 de junho de 2013
COLEGA DE MARIGHELLA
A imagem correu o mundo ontem: um senhor de verde e amarelo, bigode e óculos, alguns quilos a mais, encara a tropa de choque da PM do Ceará durante protesto nos arredores do estádio Castelão, em Fortaleza.
A foto de Silvio Mota, 68, peito colado aos escudos dos policiais do choque, pouco antes de confronto que terminou com 92 presos e ao menos sete feridos, se espalhou pela internet e foi parar na capa de jornais como a Folha e o "New York Times".
Juiz do Trabalho aposentado, Mota é um ex-guerrilheiro que participou da luta armada contra a ditadura militar. Hoje ele é coordenador de um comitê no Estado que apura crimes cometidos naquele período.
Ex-colega de Carlos Marighella (1911-1969) na ALN (Ação Libertadora Nacional), Mota comparou a ação da PM durante o protesto à repressão que ocorria quando o país era uma ditadura.
"Ainda há resquícios daquele tempo: a doutrina de segurança nacional e a polícia avançando contra o povo como se fosse um inimigo", afirma ele, que cita Marighella ao defender que ninguém faça "luta armada em condições de legalidade, porque há outras formas de luta".
Mota decidiu encarar a PM após bombas de gás estourarem perto dele e da mulher.
Vestindo uma camiseta de repúdio à PEC 37, derrubada nesta semana no Congresso, caminhou em direção à barreira policial, cantando "Eu sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amor". Enquanto isso, voavam pedras e paus que eram atirados pelos manifestantes.
"Não posso mais correr, então o jeito foi enfrentá-los. Tinha o dever de proteger minha esposa e os manifestantes", diz o ex-guerrilheiro.
Mota discutiu com os policiais, que ameaçaram prendê-lo. Citou então sua condição de juiz e disse que não cometia nenhum crime naquele momento.
Só deixou o tête-à-tête quando os equipados policiais quiseram prender um militante do MST que também avançava em direção ao bloqueio. Ambos recuaram.
Mota deixou o local pouco depois --é diabético e precisava almoçar, disse. Após sua saída, o confronto se acirrou.
Para ele, os ataques dos manifestantes --que deixaram cinco PMs feridos-- são "legítima defesa", mas a onda de protestos pode virar "confusão generalizada" pela multiplicidade de pautas.
Filiado ao PT na década de 1980, ele deixou o partido ao se tornar juiz, e acha que a sigla "saiu dos trilhos".
REFORMA POLÍTICA
A proposta de reforma política feita pela presidente Dilma Rousseff recebe elogios do juiz, mas a avaliação é que os protestos irão continuar ocorrendo no país.
"Quando partimos para uma luta, nunca temos certeza da vitória. Mas não é por isso que devemos parar de lutar", reflete.
Há três anos, ele ostenta, tatuada no braço, uma epígrafe de sua vida: "Quando ouvires o trovão sem chuva chegando, não te assustes, são só os búfalos galopando".
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